Repetições 

Foto de Josh Hild no Pexels

“Dizem que só falo das mesmas coisas, é a prova que nada mudou: nem eu, nem o mundo”. Essa frase é do Djonga na música “Deus e o Diabo na terra do Sol”1 e uma das mais icônicas para mim quando acontece o crime que aconteceu no Carrefour nessa semana. Às vezes parece que as coisas caminham para uma melhora, mas quando um fato desses vem à tona – afinal, acontece todos os dias –, as violências ficam evidentes: do assassinato em si, à busca por antecedentes criminais das vítimas. Aí isso se espalha.

Se for verdade, ganha repercussão em mídias irresponsáveis sob a justificativa de “apenas relatar fatos” como se justificasse ou fosse relevante. Se for mentira, os perfis conservadores inventam uma verdade mais conveniente para os conservadores e a espalham pelas bolhas e correntes de whatsapp – correntes, sempre elas.

Nesse tipo de caso, SEMPRE vem à mente várias lembranças que aconteceram ou poderiam ter acontecido comigo ou pessoas negras ao meu redor, mesmo sendo um cara calmo, mesmo morando em um bairro de classe média minha vida toda. Ou seja, por mais que você seja privilegiado socialmente, em algum momento correrá risco por ser uma pessoa negra e isso reflete em TUDO, incluindo casos aparentemente neutros.

Nessa semana, vi um estudo genético2 que avaliou o porquê da hipertensão incidir mais em negros (algo que é popularmente sabido e nos falado desde sempre) e a conclusão foi: não há particularidade genética que comprove isso, ou seja, É SOCIAL.

As condições do meio fazem com que isso aconteça em larga escala para um determinado grupo de pessoas. E existem vários outros exemplos. Os altos índices de infecção e morte por Covid-19 entre a população negra é maior que dos brancos3. Uma vez vi um outro estudo sobre transplantes de órgãos (que é definido por lista de espera) em que brancos recebiam doações de órgãos menos da metade do tempo, principalmente pelos índices de incompatibilidade de receptores devido aos problemas de saúde ao longo da vida – a hipertensão sendo uma delas4.

Isso me remete a um vídeo do Neil deGrasse Tyson que viralizou há um tempo5. Era uma mesa em algum evento de cientistas sobre genética e veio uma pergunta meio cínica que gerou risadas da plateia (repleta de homens brancos): “O que se passa com as mulheres na ciência?”. Neil pediu a palavra e falou durante dois minutos da perspectiva de um homem negro concluindo com a frase: “antes de falarmos de diferenças genéticas, temos que encontrar um sistema onde as oportunidades sejam iguais para, aí sim, falar de genética”.

Então, quanto mais se avança tecnologicamente e temos ferramentas de leituras mais precisas do mundo, como no exemplo da genética, mais as evidências apontam sempre para uma velha resposta que é apontada há séculos pelas ciências sociais: a desigualdade é a causa. E quando a gente fala disso, tem que falar do sistema vigente que é pautado nessa desigualdade. SIM, isso é um fato, nunca existiu capitalismo sem racismo, como bem diz o mestre Silvio Almeida6.

A escravização em escala industrial (embora ainda não existisse indústria) é uma criação do mercantilismo (ou pré-capitalismo, como queiram).Não é nesse sistema que está a solução, mas se a elite branca prefere salvá-lo a salvar vidas, que tentem uma versão sem racismo. Enquanto isso,o povo preto vai continuar sua luta e sempre falando das mesmas coisas, por mais que isso canse, porque viver sendo sacrificado cansa muito mais.

1 https://www.youtube.com/watch?v=bFSWiHK_xNc&ab_channel=Djonga

2 https://jamanetwork.com/journals/jamacardiology/article-abstract/2773093

3 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53338421

4 http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1491/1/td_1629.pdf

5 https://www.youtube.com/watch?v=M2UH2zqZxdM&ab_channel=V%C3%A3Filosofia

6 https://outraspalavras.net/outrasmidias/silvio-almeida-estado-racista-e-crise-do-capitalismo/

** Este artigo é de autoria de colaboradores do PORTAL BAOBABE e não representa ideias ou opiniões do veículo. O Portal Baobabe oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.