Foto de: Louise Eckelberg
Quando a gente passa por um longo tempo de debate sobre o racismo é inevitável chegar a seguinte questão: “o que fazer para romper com esse sistema?”
Recentemente, eu estava ministrando uma aula em um Seminário sobre Raça e Racismo e explicando sobre o conceito de racismo estrutural, uma compreensão que vai além de julgar questões referentes ao comportamento ou atitude racista, uma compreensão de racismo como fundamento da sociedade ou como diz Silvio Almeida, uma compreensão onde “o racismo é a regra, e não a exceção”.
Estávamos discutindo estes aspectos estruturantes do racismo, quando a questão sobre a luta antirracista se fez presente, mas afinal, o que é possível fazer?
E durante a aula eu comentei que era possível pensar em ações simples, ou seja, ações que podem fazer parte do nosso dia-a-dia, mas também era importante vislumbrar ações no nível macro, ou seja, ações relacionadas à política pública, educação, economia e cultura, por exemplo.
Então, quero compartilhar neste texto uma reflexão sobre práticas antirracistas, ações que podem ser feitas diariamente, basta que você coloque suas lentes de estranhamento.
Djamila Ribeiro publicou o “Pequeno Manual Antirracista” (2019) que pode ser uma leitura interessante sobre esse tema para quem está entrando em contato com este universo temático. Neste livro ela ressalta algumas ações, como ler autoras e autores negros, reconhecer os privilégios da branquitude e apoiar políticas educacionais. Pois bem, não irei resenhar o livro, quero me concentrar em ações antirracistas dentro do universo teatral.
Primeiro, porque o campo artístico lida com a representação e a criação de estéticas que alimentam nosso imaginário. E segundo, porque esta é área que venho pesquisando e me dedicando a estudar. Então, vamos lá: práticas antirracistas para artistas.
Uma ação importante é a presença de artistas negros em um espetáculo. Não é possível romper com a invisibilidade se a gente não estranhar a ausência de corpos negros em cena. A ausência é fenômeno estrutural e, portanto, é necessário criar estratégias para tornar essa presença em cena cada vez maior.
Se você, artista que está em cena, começa a estranhar a ausência de pessoas negras no espetáculo, a ausência de pessoas negras no trabalho da cena: dramaturgia, direção, atuação, iluminação – você pode pensar em ações que possibilitem a participação de artistas negros e negras no espetáculo. Convide artistas negros e negras. Torne a presença negra visível no seu espetáculo. Mas cuidado, não vale colocar em cena de modo a não destacar esta presença.
É comum a presença de pessoas negras em cena como figurantes ou sem expressividade na composição artística. Então, perceba que estar presente em cena é estar realmente visível, fazendo parte de modo integral do trabalho.
Outra ação que pode ser uma prática antirracista para artistas é a leitura de dramaturgas negras e dramaturgos negros. Já parou para pensar o quanto a dramaturgia brasileira pode reproduzir estereótipos em cena? Blackface, personagens negras sem destaque, piadas racistas… enfim, uma série de reprodução de discursos racistas em cena. Por isso, ler dramaturgas negras é entrar em contato com outras poéticas, outras narrativas. Pesquise e leia autoras negras e autores negros.
E isso me leva para outra ação: questione personagens que reproduzam estereótipos raciais. Não fique em silêncio. Seu silêncio colabora com a reprodução dos estigmas raciais. Então, fale, questione, proponha outros olhares. Durante muito tempo na cena teatral brasileira, a dramaturgia reproduziu uma concepção racista da personagem negra, então, é interessante estranhar esses estereótipos, como: o negro malandro, a mulata que samba – são personagens tipos que reproduzem o racismo, ou seja, um racismo que fundamenta a criação de personagens.
E por fim, reconheça que uma luta antirracista é uma ação de todos/as. Não espere que artistas negros e negras comentem sobre as questões da cena. Participe. Estude. Pesquise. É comum ouvir comentários como “eu sou branco/a e não posso falar sobre isso”. Na verdade, esta é uma visão equivocada, se compreendemos que o racismo é um fenômeno estrutural, logo uma luta antirracista é uma ação para toda e qualquer pessoa que compreenda a possibilidade de desconstruir esse sistema. Como bem nos lembra Angela Davis: “Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”.