Fonte: arquivo pessoal
“É curioso como algo sempre crescendo vire essa fonte de inquietação”. “Esticada até quase arrebentar medo da água não precisa o liso e a ilusão de controle que não aguenta uma mudança de tempo, um vento, uma estática alterações na umidade relativa do ar”. Esses trechos são de um pequeno livro chamado ‘Talvez precisemos de um nome para isso: ou o poema de quem parte’ de Stephanie Borges, uma preciosidade que tive a oportunidade de ler.
Como pode ser entendido, o poema fala de uma parte muito cultuada nas mulheres. Uma parte com a qual há uma relação de amor e ódio. Cabelo. A moldura do rosto. Uma relação difícil, principalmente quando a mídia diz que ele deve ser liso e longo, mesmo num país cuja maioria das pessoas não possui características favoráveis para tal. Atualmente a cultura mercadológica está mudando, o que é positivo. Existem mais produtos voltados aos cabelos crespos, mas a pressão que existiu por anos, ainda resiste.
Eu sempre tive uma relação difícil com o meu, da qual já tentei e ainda não consegui me libertar. Eu sou uma escrava da química, admito. Tentei por um ano deixá-lo livre dos produtos, do alisamento e de todos os processos que o danificam. Doeu. Sofri. Não me acostumei com o que vi diante do espelho. A transição não rolou para mim. Sucumbi. Voltei à química como um viciado em drogas. Não posso fazer nada, é mais forte do que eu. São 20 anos ‘esquentando’ a cabeça. É assim que me sinto bonita e talvez por isso o livro tenha me tocado tanto. Durante a leitura vislumbrei várias passagens da infância, adolescência e da fase adulta.
O cabelo da mulher negra é alvo de críticas e comentários, estando alisado ou crespo. A autora consegue passar todos os sentimentos de quem já passou por tudo isso que várias mulheres negras passam. Sentimentos conflitantes, submissão, medo do tempo ‘virar’, impotência em certos momentos, medo de não ser aceita naquela vaga de emprego por não estar nos padrões, enfim, inúmeras situações que provocam sofrimento. O poema de @stephieborges é real e lírico. É um manifesto. Um grito de um grupo que por anos foi silenciado e oprimido.
Creio que a palavra que mais se adequa ao poema é empoderamento. Falar sobre esse assunto é preciso, e de forma sensata a autora conseguiu contemplar todo arcabouço de sentimentos que passam pela cabeça de uma mulher negra com relação ao cabelo. É uma leitura rápida, profunda e essencial.
SINOPSE: O imaginário estético da sociedade como forma de opressão da mulher negra, é o fio condutor do poema de Stephanie Borges, perpassado por narrativas sagradas, memórias pessoais, trechos de músicas e críticas ao que chama de “eufemismo do mercado”. O longo poema é dividido em dez partes, para além do lirismo convencional, com uma linguagem cortante e direta. A autora transcende o debate sobre beleza e identidade, mergulha no já banalizado tema do empoderamento feminino negro, e propõe às mulheres uma autoanálise sobre a construção da própria imagem.
Livro: Talvez precisamos de um nome para isso. 1ªED.(2019)
Autora: Stephanie Borges
Editora: CEPE